terça-feira, 3 de junho de 2008

um pouco de tati bernardi

Com o namorado longe, eu sinto mais saudades de todo mundo, mais ainda do que eu ja sentia.
Não tem como colocar o link exato dessa crônica, e como a do Xico Sá, vou postar aqui. (gente! só agora parei pra pensar que os dois falam sobre mãe. detesto papo Freud)
Mandei pra minha mãe ler e ela respondeu, entre muitas coisas, que já tinha visto essa história antes! Porque por mais que ame a cidade, às vezes bate essa saudadezinha que está bem descrita!
Com vocês, Tati Bernardi, - a paulista agora no Rio - que adoro um tanto!

Eu sou escrota porque tenho mãe (02/2008)

Descobri a verdade mais terrível da minha vida: eu sou escrota porque tenho mãe.
Se você me visse, visse a pose com que ando pelas ruas, com que brigo em lojas que me atendem mal, com que exijo silêncio da minha vizinha, com que meto meu carro em cima de gente folgada, com que grito com telemarketings, com que dispenso garotos burros.
Você diria: aí vai uma menina corajosa, destemida e meio escrota. Talvez muito escrota.
Não estou nem aí. No final das contas, minha mãe divide comigo o ódio que sinto de tudo o que dá errado na vida. De tudo o que é chato. Ela escreve cartas inteligentes metendo o pau na minha vizinha e entrega para o síndico, ela corta manga e melão pra mim e manda para a minha casa, pela minha empregada. Ela dá risada e concorda: “não tem mesmo homem a sua altura, minha filhinha”.
Agora que moro no Rio de Janeiro (sim, eu tirei aquele texto metendo o pau na cidade a pedido dos queridos leitores cariocas mas ainda não me convenci de que vou ser feliz aqui) me sinto uns 90% menos escrota e descobri que sou escrota apenas porque tenho mãe. Sem mãe por perto virei um gatinho medroso.
E pior: fico querendo que todo mundo seja minha mãe. Se o porteiro me trata mal, ou o taxista, ou o cobrador, ou algum roteirista do programa que estou escrevendo para a Globo, não consigo ser escrota com eles. Apenas guardo tudo para a hora do banho e choro como se eu tivesse cinco anos. Perdi meu poder de ser filha da puta (como é bom escrever palavrão, no blog eu não posso!!!).
Eu só era filha da puta porque tinha minha mãe por perto. Não que ela seja puta, mas é uma puta mãe. Eu era filha da puta por causa da minha mãe.
Agora fico nessa lama querendo que o caixa do restaurante aqui da frente do hotel me pergunte se “papei tudo”. Outro dia a garçonete me ofereceu um pedaço de pudim e eu quase chorei de emoção: será que ela quer ser minha mãe? Depois, quando ela me cobrou 12 reais por um pedacinho de merda de pudim, me lembrei que nesse mundo todo mundo quer é mamar nas suas tetas, mas oferecer um ombrinho ninguém quer não.
Eu era escrota porque tinha mãe. Se eu batesse o carro, ela arrumava. Se eu tivesse febre, ela tirava. Se eu arrumasse uma merda de homem que não me desse valor, ela dava. Se eu chorasse, ela chorava mais ainda, tanto que eu acabava rindo. E se eu sentisse um vazio de merda dentro de mim, ela fazia pão de queijo. Pão de queijo te infla por dentro e resolve esse papo de vazio existencial.
Eu era escrota porque tinha mãe. Agora, fico torcendo pro taxista não querer me estuprar ou, pelo menos, não vir com o papinho furado de taxas entre bairroxxxxxxx. Fico torcendo pro cara do ônibus não roubar meu laptop. Fico torcendo para os meus colegas roteiristas escutarem só um pouquinho algum drama meu, pessoal. Porque preciso, ainda que por um segundo, ainda que de mentirinha, que alguém seja minha mãe. Porque o mundo virou um lugar não maternal. O Rio de Janeiro não é maternal.
Essa geladeira de merda do hotel só tem água e cerveja. Sendo que a água custa seis reais. Uma garrafinha de merda! E pra piorar tem uma camisinha na cabeceira da cama. Motel e hotel no Rio de Janeiro são a mesma merda?
Outro dia achei uma mancha “sinixxxxxtra” no meu edredon. Quero minha casa, quero minha mãe.
Quero a geladeira da minha mãe, com frutas cortadas. Quero meu personal, a moça que me faz drenagem, a minha aula de yoga, os meus amigos da Ed. Abril, das agências que trabalhei. Quero minha cama com borboletas coloridas em cima, não esse quadrinho vagabundo com o Pão de Açúcar aquarelado. Ao lado da minha cama eu tinha preces budistas e não um pacote de camisinhas.
É triste morar em hotel. Longe de casa, da Lolita, dos meus amigos, das frutas picadas e da minha mãe. E aturar os cariocas tirando sarro de absolutamente tudo da minha existência. E eu só querendo um pouco de colo, um lençol que tenha meu cheiro. Sei la.
Eu era escrota porque tinha mãe. Porque eu me sentia bonita mesmo descabelada, porque eu me sentia inteligente mesmo rebolando pra fazer graça pra ela. Porque se eu acordasse no meio da noite achando que ia morrer, era só ligar que ela vinha correndo. Nunca morri, mas vai que um dia eu morro! Pior seria morrer nesse quarto de hotel, entre as camisinhas, as águas caras e esse edredon sinixxxxtro. E longe da minha mãe.
Eu era escrota porque morava a dez minutos da minha mãe, agora que moro há 55 minutos de Varig e 48 de TAM, eu só quero que esse Cristo de braços abertos me dê um abraço. Ou que alguém me ofereça um pudim de graça.
Ou melhor: quero voltar a ser escrota. Quero voltar a não sentir medo de nada. Quero voltar a dormir embaixo das borboletas.




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